11/05/2016 Pentecostes e Misericórdia

file_74904_pentecostes-TopVivemos neste Ano Santo extraordinário da Misericórdia e na existência de cada dia esta misericórdia que se estende sobre cada um de nós, e ainda mais nesta Festa de Pentecostes. Pois, o ano eclesiástico gira todo ele em torno da Páscoa. É o centro para o qual tudo converge e o foco donde tudo se irradia. Natal já é a preparação da Semana Santa, uma vez que Cristo nasceu para remir o mundo por sua morte e ressurreição. E Pentecostes é também o fruto da Páscoa, a vinda do Prometido pelo Pai, enviado pelo Filho. Ainda mais neste Ano Santo, devemos ver o amor de Deus transbordando nos corações dos fiéis, numa Igreja que está em contínuo estado de missão e sempre de portas abertas indo, também, ao encontro do irmão, da irmã que tanto precisa deste acolhimento transformador na ação pneumatológica, levando adiante o constante projeto do Pai.
Nos Atos dos Apóstolos vemos o que se passou em Jerusalém, pelas nove horas da manhã, exatamente cinquenta dias depois da celebração da Páscoa .  Quando o Espírito Santo desceu sobre a Virgem Maria, os Apóstolos e um grupo de discípulos, a Igreja de Cristo, por Ele fundada, passou a sair pelo mundo para testemunhar o Ressuscitado. Usando uma terminologia jurídica, Pio XII, na Mystici Corporis Christi afirmou que a Igreja foi “promulgada” no dia de Pentecostes. Aquele que deu vida a todas as coisas, Aquele que deu vida a Jesus sobre a terra, Aquele que deu vida à Igreja, à história , a cada um de nós…
Eis o dia em que foi feita a primeira pregação apostólica e os primeiros convertidos são agregados à Comunidade. A Igreja começa a pulsar e sua longa vida, prolongada hoje por quase dois mil anos, inicia seu desenrolar. Com razão, vemos neste Ano Jubilar, recordando as palavras do Papa Francisco, vivenciar este impulso pneumatológico com todo o seu vigor, pois o Espírito Santo que veio não mais abandonou a Igreja, ou seja:
“O Evangelho da misericórdia tem seu lugar na Igreja que prioriza os pobres e que, “pelo amor ao homem, escuta o clamor pela justiça e deseja responder com todas as suas forças”. (EG 188).
O Espírito Santo mudou as pessoas, mas se estabeleceu um fluxo perene que fez do acontecimento de Pentecostes uma realidade permanente. Por isso, podemos afirmar, sem margem de dúvida, que o Espírito é a alma da Igreja, é sua vida.
Há elementos eclesiais que não podem mudar, pois dizem respeito a seu aspecto divino, mas, por ser viva, a Igreja forçadamente tem de se renovar, à maneira dos organismos. E é o Espírito Santo que conduz, por meio dos séculos, este processo. O Espírito Santo é nosso advogado, diz Jesus, chamado de Paráclito, aquele que está do lado, que é assistente e que, ao mesmo tempo, nos aconselha, nos previne e nos faz dar testemunho: na hora certa, do jeito certo, nos tribunais, nos nossos trabalhos, nos depoimentos de tudo aquilo que diz respeito à obra de evangelização na Igreja de Cristo.
O Espírito Divino está hoje impelindo a Igreja no caminho da vivência da missão, como discípulos missionários em estado constante de missão, por atos concretos e gestos de misericórdia viva em nosso meio, bem como nas paróquias, nas pequenas comunidades e grupos, na opção evangélica pelos pobres, no ideal de participação em todos os níveis, numa unificada visão da vida em que toda a existência passa a ser vista de forma mais e verdadeiramente humana.
Que alegria poder rezar hoje assim: “Vem Espírito Santo, envia do céu um raio da tua luz para que possamos sempre louvar-te e agradecer-te. Permanece conosco, conforta-nos com o teu poder, aquece-nos com o fogo do teu amor”.
Pentecostes é um apelo à criatividade eclesial; devemos ser dóceis ao Espírito que nos conduz por vias novas, como também novas foram as vias seguidas no tempo de Constantino ou na Idade Média ou na Renascença. Pentecostes é “aggiornamento”, é renovação: o Espírito renovará a face da Terra! E hoje o Papa Francisco nos exorta, recordando que a misericórdia é a virtude que temos necessidade de acolher e anunciar. É próprio de Deus usar de misericórdia e manifestar a sua onipotência. Há a necessidade de fazer a leitura política de um conceito religioso e de aferir a sua “convivência” com o conceito “justiça”.
Nestes dias em que o Papa fala de uma Igreja em saída, e que a 54ª. Assembleia Geral da CNBB nos convocou a viver em uma Igreja em saída, particularmente do trabalho dos cristãos leigos e leigas, que são chamados a ser sal na terra e luz no mundo, como ministério ordinário. Ressoa nestes dias as proféticas palavras do Papa: “O dia de Pentecostes, quando os discípulos “ficaram todos cheios do Espírito Santo”, foi o batismo da Igreja, que nasce “em saída”, “em partida” para anunciar a todos a Boa Notícia. A Mãe Igreja, que parte para servir. Recordemos a outra Mãe, a nossa Mãe que partiu, com prontidão, para servir. A Mãe Igreja e a Mãe Maria: todas as duas virgens, todas as duas mães, todas as duas mulheres. Jesus foi peremptório com os apóstolos: não deveriam se afastar de Jerusalém antes que tivessem recebido do alto a força do Espírito Santo (cfr At 1, 4.8). Sem Ele não há missão, não há evangelização. Por isso, com toda a Igreja, a nossa Mãe Igreja Católica, invoquemos: “Vem, Santo Espírito ”!
Na Solenidade de Pentecostes, em nossa Arquidiocese temos a tradição provinda de meus amados predecessores, e que continuamos a exercer com alegria, de conferir, na Catedral de São Sebastião, o Sacramento da Crisma a jovens provindos de todos os vicariatos, como sinal de unidade e missão. É o momento de invocar os dons do Espírito Santo sobre estes jovens, para que sejam arautos da misericórdia neste mundo tão conturbado. O momento social, político e econômico é marcado, deveras, por muitas violências e algumas por causas banais. Nosso mundo hodierno, em que as distâncias geográficas parecem desaparecer, a compreensão e a comunhão entre as pessoas muitas vezes é superficial, eletrônica e torna-se gravemente difícil. Observamos, infelizmente, que permanecem desequilíbrios que com frequência levam a conflitos e a distensões. O diálogo entre as gerações torna-se difícil e por vezes prevalece a contraposição. Atônitos, assistimos a fatos do dia a dia nos quais nos parece que os homens estão a tornar-se mais agressivos e mais conflituosos.
Peçamos os dons do Espírito Santo para que iluminem o nosso Brasil e nos faça dóceis e abertos ao espírito de Deus. Que os dons da fortaleza, da sabedoria, da ciência, do conselho, do entendimento, da piedade e do temor de Deus nos ajudem a vencer o medo e a indiferença, e viver a compaixão e a misericórdia para anunciarmos os dons do Divino Espírito Santo, para viver a vida plena!

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)